Críticas


O Mundo Literário de José Saramago

   O Mundo Literário de José Saramago é constituído por quatro elementos fundamentais: Primeiro, a dúvida do homem moderno numa dupla lógica de assumir uma posição crítica sobre o passado e, ao mesmo tempo, aprender com o passado. Segundo, a introdução dos elementos sobrenaturais, ou seja, fantásticos, não se distanciando, no entanto, do mundo real. Terceiro, a tentativa de uma nova linguagem que altera a sua expressão gráfica e pontual, respeitando a sintaxe da narrativa comum. Por último, a viagem não só no mundo real, mas também no interior do Homem através da imaginação. Com estes elementos de 'tempo', 'sobrenatural', 'torrencialidade da narrativa' e 'a viagem' que se interpenetram as suas obras procuraram a utopia através de alusões alegóricas, críticas e éticas.
     Assim, Saramago tem vindo a tentar, nas obras publicadas desde "Levantado do Chão", a harmonia entre a realidade e a imaginação, através de trabalhos que pretendem unir numa só empreitada os planos expressivos da fala, do pensamento e da escrita. Por isso, uma relação de quase simbiose entre o narrador e a matéria narrada, o discurso interior e as tensões internas do discurso narrativo são importantes na compreensão das suas obras. O que se denota facilmente nos seus romances é o espírito renovador e experimental em procurar um estilo muito pessoal e, ao mesmo tempo, solto e torrencial.
    Na realidade, utiliza só vírgula e ponto final, não distinguindo discursos diretos e indiretos, de modo que os seus romances têm de ser lidos diferentemente dos outros romances. Isto significa que o texto exige uma atenção especial aos leitores, dando-lhes a impressão de estarem envolvidos diretamente no mundo real e, ao mesmo tempo, fictício, ambos construídos nas suas obras.
    Para além do elaborado trabalho de linguagem, Saramago aborda profundamente os problemas de Portugal contemporâneo e da identidade do povo lusitano. Além de apresentar o rumo que Portugal deverá seguir e a sua visão do mundo, Saramago procura a identidade do homem perdida na sociedade moderna. Talvez através do seu estilo torrencial, que às vezes o torna difícil de ler, esteja a procurar a identidade de Portugal, após a sua adesão à União Europeia.
    Concluindo, a grandeza das obras de Saramago reside no esforço de evocar a História e a identidade da 'pátria perdida', juntamente com a procura de uma nova linguagem literária em que se afirma o seu espírito experimental.    
                                                                                                                  
                                                                                                                    Kim Yong-Jae 
                                                                                                                     Departamento de Português da Universidade de Pusan, Coreia do Sul


Crítica de Ursula K. Le Guin à versão em inglês de “Levantado do Chão”
    A escritora Ursula K. Le Guin publicou no jornal britânico The Guardian uma extensa crítica à versão em inglês de “Levantado do Chão” [Raised from the ground] de José Saramago, com tradução de Margaret Jull Costa, publicada pela editora Harvill Secker, em novembro de 2012. Para a escritora norte-americana, “Levantado do Chão” contém a melhor cena de morte que alguma vez leu em romance. Num texto empolgante em que cita várias vezes o discurso de Saramago na entrega do Prémio Nobel, Ursula Le Guin realça que já neste romance o autor revelava "uma voz madura, tranquila, coloquial e fácil, muitas vezes irónica e com um humor cativante". Aqui segue a tradução do texto de Ursula Le Guin, premiada com o Memorial Astrid Lindgren e com o Prometheus:
   “Nos últimos dois séculos, os romances têm sido escritos sobretudo por autores da classe média para leitores da classe média. Romances sobre os muito pobres, os oprimidos e os camponeses não são escritos nem pelas pessoas sobre as quais falam. Assim, tendem a assumir um tom distanciado, sociológico, e são terrivelmente deprimentes – sugestivos, crus, sem esperança e, necessariamente, brutais. Os dois grandes romances norte-americanos dos oprimidos, “A Cabana do Pai Tomás” [Harriet Beecher Stowe, 1852] e “As Vinhas da Ira” [John Steinbeck, 1939], salvam-se dessa frieza ameaçadora graças à paixão dos autores pela justiça e ao afetuoso respeito pelos seus protagonistas. O mesmo acontece com o romance inicial do escritor português José Saramago “Levantado do Chão”, com um valioso bónus: o autor escreve sobre pessoas com as quais cresceu, a sua gente, a sua família.”
                                                                           http://www.josesaramago.org/

A imprensa estrangeira

Itália

  "Até que enfim» (em português)! A expressão de júbilo e alívio atravessou o Atlântico de um lado ao outro, ligando o Brasil e Portugal, passando pela Madeira, Porto Santo, Açores e Cabo Verde, fantasmas de uma mítica Atlântida que hoje fala português."
"O prémio Nobel privilegia finalmente um escritor português, um escritor difícil, pouco respeitador do que se considera literariamente correto."
La Reppublica

  "A palavra como uma arma, desde os dias difíceis do salazarismo até à descoberta da literatura, através do jornalismo. José Saramago libertou a narrativa portuguesa dos complexos precedentes e dá o impulso à geração pós-revolucionária."
L’Unità

  "Um mundo assinalado pela angústia e desespero, uma visão radicalmente ateia. Romances históricos e imagens apocalípticas, individuais e coletivas, entre as obras de Saramago. Um prémio Nobel dado mais por razões políticas do que pelo talento. José Saramago não é o melhor dos escritores portugueses, há muitos outros e com tanto talento, mas pouco conhecidos, porque a doce Lusitânia fica no confim da Europa."
L’Avenire (diário da Consagração dos Bispos italianos)
                                                                                        
Grã-Bretanha

  "O autor que recebeu finalmente o que lhe era devido pela Academia Sueca."
The Guardian

  "Pessimista e sério, lúcido e elegante são as palavras para descrever o homem e a sua literatura."
The Independent

  "José Saramago, 76 anos, é considerado o mais sólido baluarte da literatura portuguesa. O seu estilo muito pessoal e nem sempre de fácil acesso ao leitor e a sua atenção temática fazem dele uma referência imprescindível na narrativa europeia."
BBC

Espanha

  "Saramago, um Nobel à ironia e ao compromisso."
El Mundo

  "Escritor lúcido, pessimista e crítico, barroco e comprometido com a utopia do comunismo, Saramago é o primeiro prémio Nobel da língua portuguesa, um feito que foi comemorado com júbilo em Portugal e no Brasil."
El País, 9 de outubro de 1998

  "Deram o Nobel da Literatura a um grande escritor e a uma grande literatura, que o mereciam. A notícia não é só o prémio dado a Saramago, mas a um escritor de língua portuguesa a penar na de Eça de Queiroz, de Torga ou de Jorge Amado."
Manuel Vazques Montalbán, El País, 9 de outubro de 1998

França

  "Contrariamente a muitos escritores franceses que permanecem na introspeção do pouco, do quotidiano e do quase nada, José Saramago pratica uma literatura do extremo, do imenso."
Le Figaro

  "Ao mesmo tempo, prosador emérito, este cético flamejante, grande leitor de Montaigne, Cervantes e Kafka, não cessa de visitar as almas contraditórias do seu povo, dos seus sonhos abolidos de conquista à realidade de presente, que envolve com uma melancolia extremamente maliciosa."
L’Humanité

Alemanha

  "Ganhou um pessimista numa jangada de pedra."
Frankfurter Allgemeine

  "Foi um êxito tardio de um candidato permanente, um pessimista que faz da ironia a sua esperança."
Stuttgarter Nachrihten

Brasil

  "Saramago é o criador de um universo literário e filosófico entre o pessimismo e a utopia. É um autor fundamentalmente comprometido com a política do seu tempo que não vacila em abordar questões críticas sobre a sociedade dominante."
Jornal do Brasil

Argentina

  "Que Saramago tenha ganho o prémio Nobel tranquiliza quase tanto como se o tivessem levado Pablo Neruda ou Ernest Hemingway ou Garcia Márquez."
Clarín

  "Obra que une o realismo mágico com um agudo comentário político e está em conflito com a gramática tradicional, foi traduzida em 25 idiomas e tem peso próprio nos países da América Latina."
La Nacion

EUA

  "Um inconformista com sincero gosto particular pelas pessoas comuns, desvios históricos e literários."
USA Today

  "É um homem modesto e franzino, parece mais um velho empregado de escritório que um gigante literário. O Nobel é parte do renascimento de Portugal."
Los Angeles Times

     Retirado de Público, de Diário de Notícias e de O Expresso, 10 de outubro, 1998

Apresentação do Prémio Nobel

    "Há escritores tipo ave predadora, que descrevem círculos repetidos sobre o mesmo território, de livro para livro, buscando um retrato coerente do mundo". (...) "[Saramago] pertence a uma categoria contrária, a dos escritores que parecem querer sempre inventar um mundo e um estilo novos". [Assim, se a Península Ibérica fica à deriva em A Jangada de Pedra, não há traços dessa catástrofe geológica na História do Cerco de Lisboa; tal como a epidemia que é descrita em Ensaio sobre a Cegueira não deixa traços em Todos os Nomes.]
   "[Na realidade], a ambição de Saramago não é retratar um universo coerente. Pelo contrário, parece, de cada vez, tentar criar um novo modelo de apreensão de uma realidade evasiva, consciente de que cada modelo é uma aproximação crua que pode admitir outros valores aproximados, na realidade um que os exige a todos. Ele condena explicitamente tudo que proclame ser "a única versão", é apenas "uma versão entre muitas".
   "Em cada uma destas versões, as regras do senso comum estão suspensas de alguma forma. Isto não é invulgar na ficção recente. Mas aqui estamos a lidar com algo diferente da narrativa em que tudo pode acontecer - e acontece constantemente. Saramago adotou uma exigente disciplina artística que autoriza as leis da natureza e do senso comum a serem violadas apenas num aspeto decisivo e que então segue as consequências desta irracionalidade com toda a racionalidade lógica e observação exata de que é capaz." [A propósito, Espmark citou os casos de O Ano da Morte de Ricardo Reis, História do Cerco de Lisboa, O Evangelho segundo Jesus Cristo e Memorial do Convento.]
   "Esta obra rica, com as suas perspetivas, constantemente mutáveis e renovadas imagens do mundo, recebe a sua unidade de um narrador cuja voz está sempre connosco. Aparentemente é um contador de histórias da velha espécie omnisciente, um mestre de cerimónias de pé no palco, comentando-as, guiando os seus passos. Mas Saramago usa esta técnica tradicional com divertida distância. O narrador desenvolve um moderno ceticismo, quando confrontado com a omnisciente proclamação de ser capaz de dizer em que pé estão as coisas. O resultado é uma literatura caracterizada, simultaneamente, por uma sagaz reflexão e por uma visão interior dos limites da sagacidade, pelo fantástico e por um realismo preciso, por uma empatia cautelosa e por uma acuidade crítica, pelo calor e pela ironia. Essa é a amálgama, única, de Saramago."
    [Dirigindo-se diretamente ao laureado, e usando o português] "Caro José Saramago, quem tentar, em poucos minutos, retratar a sua obra acaba por articular uma série de paradoxos. Criou um cosmos que não quer ser um universo coerente. Deu-nos versões engenhosas de uma história que não se deixa aprisionar. Entrou no palco como o género de narrador com que há muito nos familiarizámos - mas com todas as nossas liberdades contemporâneas nos seus dedos e imbuído de um ceticismo atual acerca do conhecimento definitivo. A sua marca distinta é a ironia associada a uma simpatia, distância sem distanciação. Espero que este prémio atraia muitas pessoas para o seu mundo rico e complexo. Desejo exprimir as felicitações da Academia Sueca ao mesmo tempo que lhe peço que receba o Prémio Nobel da Literatura das mãos de Sua Majestade o Rei."

Professor Kjell Espmark, membro da Academia Sueca e presidente do Comité Nobel
Estocolmo, 10 de dezembro, 1998
In Diário de Notícias, 11 de dezembro, 1998


Após a sua morte

  Editor Luiz Schwarcz: “Saramago foi um grande amigo, grande escritor, grande homem. Nem sua vida nem sua morte cabem numa frase. Publique esta, se der, uma frase sem palavras, para ele, que brincava com elas magistralmente.”

  Eduardo Galeano, escritor e jornalista Uruguaio: “Essa voz nos fará falta ainda que seguirá ressoando a partir de seus livros. Seguirá estando, sempre esteve, do lado dos perdedores.”

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