Memorial do Convento


    Relativamente a este romance, o título (Memorial) sugere factos de que reza a História, todavia, existem algumas dúvidas quanto à sua classificação, pois, devido à intemporalidade do narrador, que intervém frequentemente na história narrada, parece impossível classificar esta obra como romance histórico. Apesar disso, há na obra a reconstituição de um passado histórico, porém cheio de intromissões e de reflexões presentificadas. Para além do plano histórico, nesta obra, a ficção marca a sua presença (construção da passarola) bem como a primazia dada a aspetos que a História não realçou, constituindo um fator de afastamento ao romance histórico.
    No fundo, Saramago conta o passado com os olhos postos no presente, sobressaindo, deste modo, a subjetividade com que História é narrada, sendo recriada pelo olhar crítico de Saramago que até lhe dá outros heróis, normalmente aqueles que a história esqueceu, colocando-os num plano ficcional, como o povo. Concluindo, “memorial” remete para algo respeitante à memória, para um escrito que relata factos memoráveis, neste caso relacionados com a construção do Convento de Mafra, sendo assim possível afirmar que o Memorial do Convento se aproxima de
um romance histórico, mas um pouco adulterado, uma vez que a História funciona como pretexto para tratar temas e situações inclinadas a valores intemporais.
    Em resumo, o livro conta duas histórias que a dado momento se entrelaçam. A primeira história leva-nos ao tempo da construção do Convento de Mafra, cuja edificação foi feita por D. João V e oferecida a Deus, para que este lhe desse um herdeiro, uma vez que o rei era casado já há dois anos com D. Maria e até então não tinham tido filhos, sendo visível o tom sarcástico do narrador relativamente à hipotética esterilidade da rainha e à infidelidade do seu esposo. Para além disso, Saramago fala e critica a opressão que os nobres e o clero exerciam sobre o povo, uma vez que esta grandiosa construção originou muitas mortes entre os populares e custou um sofrimento extremo de homens que não fizeram filho nenhum à rainha e eles é que pagam o voto, que se lixam. Também denuncia o comportamento leviano do rei, a sua vaidade desmedida e as suas promessas megalómanas.
    A segunda história é a história de amor entre Blimunda Sete-Luas e Baltasar Sete-Sóis, pessoas pobres e humildes. Baltasar é um ex-soldado, mutilado na guerra, onde perdera a mão esquerda e Blimunda tem o dom de ver por dentro das pessoas, mas para isso tem que estar em jejum. São ambos amigos do padre Bartolomeu Lourenço, um homem perseguido pela Inquisição, que tem o desejo de voar e que, para isso, desenhou uma máquina, à qual chamou passarola. Pede a ajuda de Baltasar para a construir e este, após algumas hesitações, aceita. Com a ajuda da amada, mudam-se para a quinta do Duque de Aveiro, em S. Sebastião da Pedreira, para iniciarem a obra, onde caberia a Baltasar construi-la e a Blimunda apanhar as duas mil vontades (símbolo de todos aqueles que contribuem para o progresso do mundo), necessárias para elevar a passarola nos céus. Entretanto, com a partida do padre para a Holanda, o casal retira-se, também, para Mafra, que é a terra de Baltasar.
    Mais tarde, a passarola é construída e os três sobrevoam as obras do convento, tendo o padre desaparecido em seguida, com medo da Inquisição. Nos capítulos finais, Baltasar vai visitar os destroços da passarola e desaparece. Blimunda procura-o durante nove anos, até que, um dia, num auto-de-fé, encontra-o. Ele fora condenado à fogueira. Até esse ponto, Blimunda nunca tinha visto Baltasar por dentro, pois, mal se levantava, comia sempre um pouco de pão, para não estar em jejum. No entanto, instantes antes de morrer, ela olhou-o, recolheu a sua vontade, porque ele lhe pertencia.
    Em simultâneo com estas duas histórias, Saramago critica o clero, que exerce o seu poder sobre o povo ignorante, através da instauração de um regime repressivo entre os seus seguidores e que constantemente quebra o voto de castidade, bem como a atuação da Inquisição que, à luz da fé cristã, manipula os mais fracos, através da apresentação de diversos autos-de-fé.
    Assim, são sobretudo as personagens de maior estatuto social, o alvo da crítica do narrador que denuncia as injustiças sociais, a omnipotência dos poderosos, a exploração do povo – evidenciada nas miseráveis condições de trabalho dos operários do Convento de Mafra, cujo esforço elogia e enaltece-, o facto de se preterir os artífices e os produtos nacionais em defesa dos estrangeiros, bem como o adultério e a corrupção generalizada.
     Ainda no que se refere à simbologia dos números, o 7 não aparece só associado aos nomes de Baltasar e Blimunda, mas também à data e à hora da sagração do convento, aos sete anos vividos em Portugal pelo músico Scarlatti, às sete vezes que Blimunda passa por Lisboa à procura de Baltasar, às sete igrejas visitadas na Páscoa, aos sete bispos que batizaram D. Maria Bárbara comparados a sete sóis de ouro e prata nos degraus do altar-mor. O número nove surge, também, a simbolizar a insistência e a determinação, quando Blimunda procura o homem amado durante 9 anos, e a ideia de procura, pois, o que realmente acontece a Blimunda, após os 9 anos de busca, é que reencontra finalmente Baltasar, não como um encontro físico, mas místico e completo.
    Em suma, Memorial do Convento constitui, acima de tudo, uma reflexão crítica – ao problematizar temas perfeitamente adaptáveis à época contemporânea do autor – conducente a uma releitura do passado e à correção da visão que se tem da História, estando carregado de uma grande mistificação e subjetividade, levando o leitor a caracterizar-se com a vida de cada personagem.  

                        Adaptado de http://www.online24.pt/resumo-memorial-do-convento/ 
                              e de http://www.meu20.com/home/showthread.php?p=76554

0 comentários: